quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Síndrome de Dorian Gray


Existe um Dorian Grey dentro de todos nós. Quem negar, estará mentindo. A questão é, quem possui um retrato de Dorian Grey? Na Inglaterra vitoriana, hedonista e excessiva, o belo Dorian Grey tem o seu retrato pintado por Basil Hallward. Mas ao se deparar com a pintura, Dorian se encanta com a própria beleza e juventude. "Que tristeza", murmurou Dorian. "Que tristeza", repetiu, com os olhos cravados em sua efígie. "Eu ficando velho, feio, horrível. Mas este retrato se conservará eternamente jovem. Nele, jamais serei mais idoso do que neste dia de junho... se fosse o contrário! Se eu pudesse ser sempre moço, se o quadro envelhecesse!... Por isso, por esse milagre, eu daria tudo! Sim, não há no mundo o que eu não estivesse pronto a dar em troca. Daria até a alma!"

 

Em um desdobramento fantástico, Dorian aplica um drible sobrenatural no "tempo" e para de envelhecer. Logo vem o troco, que consegue ser mais perverso que aquelas homenagens póstumas na entrega do Oscar, testemunhas da corrosão inferida ao corpo dos astros de cinema pelo tempo.  A figura de Dorian, além de envelhecer, estampa todas as suas experiências de vida, revelando o verdadeiro homem por trás da superfície. Reflete a natureza da sua alma. Lentamente, a bela figura no retrato se transforma numa criatura monstruosa, desfigurada. 


Durante o carnaval, percebe-se uma enorme quantidade de Neo Dorian Gray. Em um twist digno de Agatha Christie, esses personagens não buscam a preservação da própria imagem e juventude. Figuras trágicas, tentam modelar o corpo à imagem e semelhança dos "famosos". Em termos de mass media, a figura no retrato não é mais Dorian. Não é nem mesmo uma pessoa. O retratado é um conceito de físico e de corpo. Os modelos saem diretamente das telas de cinema e TV e páginas de revistas. E não contam com a sorte de Dorian. Os retratos contemporâneos, não se transfiguram magicamente para revelar a sua verdadeira imagem. Pelo contrário. Em um jogo perverso, os personagens que personificam esse ideal de beleza, os "famosos", também se encontram emaranhados na própria busca do corpo perfeito. Na verdade, um corpo de plástico. Francis Bacon e Willem de Kooning bem que poderiam ocupar o posto de Basil Hallward, o autor do retrato sobrenatural de Dorian Grey. Mas só se Lucien Freud não tivesse existido. De Kooning, disse que a tinta a óleo foi criada para pintar a carne (flesh). Freud concordou, e suas pinturas revelam, sem meio termo, a inescapável realidade do corpo. A pintura de Kate Moss é um verdadeiro soco no estômago e serviria de antídoto para esses personagens, caso não estivessem ocupados demais, enfurnados em academias ou modelando cirurgicamente seus rostos e corpos.


Tragicamente, ainda não perceberam que nenhum esforço será suficiente. A corrida é impossível de vencer, mas, apesar disso, só aumentam o esforço, trespassando os limites da própria carne para se transformarem em criaturas vulgares, sem identidade, de plástico. Como a criança que quer vestir a fantasia do Batman, os Neo Dorian Gray tentam, pateticamente, vestir a fantasia/corpo do "famoso". Corpos hipermodelados, conscientes do seu desenho. E na hora do sexo? Será que a percepção amplificada do próprio físico não interfere no percurso que leva ao transe sexual, no qual os limites do corpo se dissolvem em um campo amórfico de energia e prazer?

A carne é fraca. 

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