terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A cura milenar da acupuntura

Muitos profissionais acadêmicos, com suas especializações tradicionais, ainda relutam e hesitam quando o tema em questão é a acupuntura. A grande verdade é que a medicina oriental, ou "Medicina Alternativa", como muitos médicos a classificam, vem se destacando ao longo dos últimos anos, agregando cada vez mais adeptos neste tipo de tratamento.


Originária da China, a acupuntura ou acupunctura, que origina do latim Acus = agulha e Punctura = colocação, é um ramo da Medicina Tradicional Chinesa, que consiste na inserção das agulhas na superfície corporal, com a finalidade de tratar doenças e promover a saúde. A aplicação das agulhas, em pontos definidos do corpo, são chamados de "Pontos de Acupuntura" ou "Acupontos"Atribui-se a autoria do nome "Acupuntura", a um jesuíta europeu que retornando da China, no século XVII, adaptou os termos chineses "Zhen" (Acupuntura) e "Jiu" (Moxabustão), juntando as palavras latinas "Acum" (agulha) e "Punctum" (picada ou punção)A tradução literal do termo chinês, no entanto, é bem diferente. O correto seria Zhen (agulha) e Jiu moxa, sendo cada um deles, um método diferente de intervenção terapêutica. A tradução causa a impressão de que o terapeuta só trabalha com agulhas.  Só que é bem mais complexo do que se imagina. Os pontos e meridianos também podem ser estimulados por outros tipos de técnicas. Na verdade, os pontos de Acupuntura podem ser estimulados por agulhas, dedos (acupressão) caracterizando distintas variantes da técnica de massagem chinesa (tui na, shiatsu japonês, do-in)e stiper (do inglês Stimulation and Permanency significando estimulação permanente). Também pode ser ventosa, embora seja uma aplicação em diversos pontos simultâneos, pelo aquecimento promovido por moxa, ou seja, longo tempo de aplicação do fogo, que tem a aparência de um bastão de artemísia em brasa, que é aproximado da pele para aquecer o ponto de acupuntura. Há, também, o método de estimulação por laser e corrente elétrica, mas estes, ainda em estudos tecnicamente comprovados. 


A visão tradicional da medicina chinesa está profundamente ligada a teorias baseadas no Taoísmo, sobre a dualidade Yin/Yang, sobre meridianos e outros conceitos bastante "exóticos" para a medicina tradicional. Contudo, contribuições da Antropologia, mais especificamente da Antropologia Médica, vem facilitando o entendimento destes conceitos à luz da interpretação lógica das explicações mítico-religiosas compreendidas como sistemas etno-médicos capazes de dar respostas às demandas por cuidados de saúde de uma determinada população.
O Yin e o Yang são aspectos opostos de todo movimento no universo. É um conceito, hoje considerado quântico, que os médicos chineses antigos conseguiram adaptar para a medicina. No corpo do homem existe um equilíbrio que pode ser alterado por diversos tipos de influências, como alimentar, comportamental e muitas outras. Apesar de existirem outras formas de diagnóstico na medicina tradicional chinesa, algumas delas são a pulsação, a observação e aspectos da língua, a cor e aspectos da pele. Um médico chinês costuma dizer que não se deve olhar apenas o paciente, mas escutá-lo, tocá-lo, cheirá-lo, provar sua urina e conhecer as suas fezes, ou seja, uma consulta baseada no modelo tradicional chinês, pode levar de vários minutos a algumas horas. O terapeuta, questiona vários aspectos da vida incluindo a infância, expressão das emoções, a alimentação, hábitos e costumes. Assim, a natureza das explicações tradicionais da medicina chinesa não tornam essa prática essencialmente distinta de outros sistemas etno-médicos, exceto porém, por sua notável semelhança com a medicina hipocrática,  a quem se atribui a origem da moderna medicina cosmopolita. O estudo de sua história revela seu rompimento com algumas tradições "mágicas" e incorporação do conhecimento empírico proveniente de cuidadosas observações, consolidado no que vem sendo chamado do paradigma do Yin/Yang, dos 5 movimentos, descritos nos livros clássicos para os orientais ou documentos etnológicos brutos para a antropologia estrutural. Entre os livros clássicos, o mais conhecido, sem dúvida é o "Livro do Imperador Amarelo", cujo exemplar mais antigo foi encontrado em um túmulo da dinastia Han (Fu Weikang).
A medicina chinesa começou seu desenvolvimento documentado na era da Dinastia "Zhou", de 1027 AC a 221 AC. Naquele período, a medicina chinesa evolui de uma medicina  xamânica , onde as doenças eram consideradas obras de espíritos demoníacos, para uma medicina mais evoluída, com embasamento filosófico. Durante o período chamado de "Média Era Zhou", de 772 AC a 480 AC, o confucionismo estabeleceu-se como um dos três pilares filosóficos da medicina chinesa (ConfucionismoTaoísmo e Budismo). Deste período vem a noção de que os atos de uma pessoa afetam diretamente a sua saúde, afastando a idéia de que as doenças eram de origem demoníaca. Durante a "Era Zhou Tardia" de 480 AC a 221 AC, surgiu na China o Taoísmo. Data desta era uma das mais significativas diferenças entre a medicina Chinesa e a Ocidental. A persistência de antigas tradições mágico-demoníacas da Medicina Chinesa foram mantidas, junto a conceitos mais modernos de etiopatogeniaEsta característica de manutenção de antigos conhecimentos junto a novos, é algo que a construção substitutiva da medicina Ocidental não soube fazer. No ocidente, o conhecimento moderno apaga o antigo. Na tradição Chinesa, o conhecimento antigo não é desprezado, mas fica armazenado, para referência. A persistência deste conhecimento, em nossos dias, leva alguns praticantes de Medicina Chinesa a desconsiderar o conhecimento científico moderno, atendo-se ao caráter místico do conhecimento antigo. Tal fato deve ser visto com cautela. Um exemplo desta afirmação é a antiga prescrição de Acupuntura para apendicite aguda, que, sendo eficaz para aliviar a dor, sem o correto diagnóstico, pode retardar o tratamento cirúrgico, com grandes prejuízos para o paciente.

Em seguida, a dinastia "Qin" de 221 AC a 206 AC, embora conhecida como período de "queima de livros", teve o mérito de adotar a moeda e sistematizar pesos e medidas, construir estradas e organizar a escrita, promovendo o crescimento econômico e cultural para a Dinastia Han, de 206 AC a 220 DC. Datam desta época, três livros importantes da Medicina Chinesa. O Ma Wang Hui', o Nan jing (clássico das dificuldades) e o Huang Di Nei jing, o livro do Imperador Amarelo. Foi redigido entre o primeiro e segundo séculos antes de Cristo, como uma compilação do conhecimento médico então existente. Escrito como se fosse pelo mítico "Imperador Amarelo", que teria vivido entre 2698 AC a 2598 AC, é dividido em dois livros. O primeiro, Su Wen, questões fundamentais, discorre sobre a teoria médica da época. O segundo livro, Ling Shu, ou eixo espiritual, é um manual de Acupuntura. Os dois livros tratam da aplicação dos conceitos de Yin/Yang na medicina, da teoria dos cinco elementos ou cinco movimentos (conforme mencionado acima), descrevem a teoria dos meridianos, tratam do conceito do Qi e atribuem definitivamente aos sintomas causas orgânicas ao invés de causas sobrenaturais. Durante a Dinastia Han, a fisiologia foi compreendida como a inter-relação entre os sistemas orgânicos. 

Na Idade Média, entre 220 e 589, a China, passou por novo período de instabilidade política. A introdução do budismo, embora pouco tenha modificado as práticas médicas então vigentes, introduziu o conceito de manutenção da saúde pela prática de exercícios físicos e de meditação. É desta época o livro Zhen Jiu Jia Yi Jing que é um texto clássico da Acupuntura e Moxibustão. Detalha os meridianos, os pontos e as técnicas de tratamento por Acupuntura e moxibustão. Também deste período, é a expansão da Acupuntura para o Japão, Coréia e Vietnam. Na curta Dinastia Sui, de 590 a 617, o médico Sun Si Miao combinou as teorias taoístas e budistas com a correspondência sistemática entre os sinais, sintomas e as doenças. Também descreveu vários pontos de Acupuntura localizados fora dos meridianos tradicionais, chamados de "Pontos Extras". 
Já a dinastia Tang (618 a 906),  é conhecida como a segunda idade do ouro na China. O império foi unificado e os pilares filosóficos (Confucionismo, Taoísmo Budismo) e o contato com outras culturas, fizeram a China crescer intelectualmente. Nos outros países do oriente, a Acupuntura ganhou terreno e foi bem estudada. Em 702, é fundada a primeira escola médica imperial, em Nara, Japão, onde se ensinou a Acupuntura. Entretanto, o desenvolvimento da Acupuntura, na China no período Tang, foi modesto. Isto, porque a grande preocupação dos imperadores, era que se desenvolvessem elixires da longevidade.
A dinastia Song (960 a 1264), foi um período chamado de Neo-Confucionismo. O conceito de Qi tornou-se outra vez popular e os princípios básicos da Medicina Chinesa ficaram bem estabelecidos em todas as áreas, Acupuntura e Moxibustão, Farmacoterapia, Nutrologia,etc. Em 1255, com a "Viagem à Terra dos Mongóis", o europeu William de Rubruk já fazia referências à Acupuntura.
A Dinastia Yuan, de 1264 a 1368 é o período durante o qual a China foi dominada pelos mongóis, liderados por Gengis-Khan. O Neo confucionismo prosseguiu e a Acupuntura, também progrediu. Em 1341, o médico "Hua Shuo" publicou Shi Si Jing Fa Hui. Este texto descreveu 303 pontos dos chamados 12 meridianos regulares e 51 pontos em dois meridianos extraordinários, totalizando 657 dos 670 pontos clássicos de Acupuntura.
E finalmente, a Dinastia Ming, de 1368 a 1644, foi o período de consolidação do conhecimento médico chinês e, conseqüentemente, da Acupuntura.

Na Idade Moderna, os Monges Jesuítas, a partir do século XVI, cunharam o termo, em língua portuguesa, que significa "Punção com agulhas" perpetuando um erro de tradução. Em Chinês, "Zhen Jiu" significa, literalmente, "Agulha e Moxa". Moxa é bastão de artemísia, enrolado como um charuto, usado para aquecer o Ponto de acupunturaEm meados do século 18, um médico chinês interessado em recuperar o saber médico da antiguidade, relatou que entre as dificuldades que encontrou, estava a escassez de livros no assunto. Em 1822, o status da acupuntura ficou seriamente comprometido, com o decreto imperial que bania o ensino e a prática da acupuntura da Academia Médica Imperial, a instituição que fornecia médicos para a família do imperador.  
A Dinastia Qing, que durou de 1644 a 1911, não foi um período de grande desenvolvimento para a Acupuntura e moxibustão, constituindo-se de modo geral, em período de estabilização e continuísmo em vários aspectos.
Na Idade Contemporânea, no século XIX, a dificuldade de comunicação com a China não impediu que a acupuntura fosse praticada e estudada por médicos ocidentais. Pesquisas médico-científicas foram publicadas também no início do século XX. Entre 1939 e 1941 foi publicado na França o livro L'acuponcture chinoise do diplomata e cônsul francês na China Soulié de Moran de 1878 à 1955, que se interessou por essa técnica ao ver sua aplicação e efeitos durante a epidemia de cólera em Beijing. Seu livro “A acupuntura chinesa”, teve como referências antigos textos chineses como Zhēnjiǔ Dacheng - 针灸 大成, possui várias traduções e reedições e ainda hoje é considerado uma obra clássica sobre a acupuntura. No início da década de 1930, o médico e professor universitário Cheng Danan (1898-1957) utilizou referências anatômicas para reabilitar a acupuntura como uma prática médica. Enfatizou o fato de ser uma terapia médica eficaz, porque o seu mecanismo de ação era a estimulação dos nervos. No livro que publicou em 1932, apresentou uma localização dos pontos, antes usados para sangrias,   fora dos vasos sanguíneos, associando-os aos trajetos nervosos. O livro era ilustrado com fotografias de voluntários, em cuja pele foram desenhados os novos traçados das linhas que comunicavam os pontos de acupuntura. O livro, que teve diversas edições entre 1930 e 1960, ajudou a conferir à acupuntura credibilidade suficiente para que fosse oficialmente incorporada ao ensino e à prática da medicina. 
Persistia, porém, a carência de mais informações sobre o modo como a acupuntura era praticada na China, havia notícia sobre sua proibição no final do período imperial e no início do século XX passara pela Revolução Chinesa, a qual cerrou as portas ao Ocidente. Há controversas informações sobre a proibição da prática da Acupuntura pelo Partido Comunista da China, que a considerava um símbolo do antigo regime imperial. Noticias de que os intelectuais foram perseguidos, e as escolas de Medicina que ensinavam Acupuntura foram fechadas estão em franca contradição com o desenvolvimento do saber popular proposto na revolução cultural. É fato, que após 1949, quando Mao Tse-Tung assumiu o poder, a China passou por um renascimento cultural e científico e a pesquisa e ensino da Acupuntura foram novamente permitidos e até incentivados, com a reabertura das escolas médicas chinesas, inclusive foi uma concepção patrocinada pelo Ministro da Saúde Pública da República popular da China a elaboração e publicação do livro dos 4 institutos, Zhongguo Zhenjiuxue Gaiyao de 1964. Mas foi a partir de 1971, com o relato do efeito da acupuntura no tratamento das dores pós-operatórias do jornalista James Reston, que foi submetido a uma apendicectomia enquanto estava na China, e após 1972, com a visita do presidente Norte-americano Richard Nixon, àquele país, que a Acupuntura passou a ser melhor estudada pelo método científico, no Ocidente, graças ao reatamento de relações internacionais que permitiu a melhor troca de informações entre os cientistas. Nos EUA o F.D.A. (Food and Drug Administration), somente aprovou o uso das agulhas de acupuntura como um dispositivo médico em 1996. 




Um comentário:

  1. Parabéns pela matéria Dargon,espetacular. Aprendi muito sobre acupuntura no seu blog.

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